terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Excerto de O Desafio


Aqui fica um excerto do livro-xadrez "O Desafio", que é lido nas minhas sessões pelos alunos e que acompanho na guitarra:


As crianças brincam. São espíritos felizes. Correm, saltam, gritam. Para lá do vidro, tudo parece mais claro, mais puro, como a neve que cai numa cadência mágica, num silêncio hipnótico. É um dia frio de Inverno, a temperatura ronda os dez graus abaixo de zero, mas há um calor que nasce de dentro e inspira. Sei agora que nunca voltarei a ser o mesmo. Sei que nunca voltarei a olhar para o mundo da mesma forma. Há toda uma verdade escondida para lá do que é óbvio, para lá do espectáculo que a vida e o mundo nos oferecem. Sei, porque o descobri. Descobri que vivemos uma ilusão e que, ao virar da esquina, a sorte ou o azar espreitam para nos derrubar. Não podemos escapar, nem desistir. O nosso destino é ir até ao fim. Olho para lá do vidro e compreendo o significado de uma vida em busca de felicidade. A felicidade está ali, nas crianças que saltam, e correm, e gritam. A felicidade está nessa contemplação, não no tabuleiro que enfeitiça. O objectivo é a vida, não o jogo. Por isso o abandono, por isso viro costas, mesmo sabendo que jogando, poderia tornar-me um deus. O abismo e a luz coabitam no mesmo espaço. Cabe-nos a nós escolher por onde queremos caminhar. Caminho para a saída, para a luz. Abro a porta, miro o espaço uma última vez, numa despedida do passado, no fechar de um capítulo. Todos temos uma segunda oportunidade. Eu sou a segunda oportunidade. Desço as escadas em caracol. Não sinto a náusea do trajecto, nem o agreste corrimão que me arde sob as mãos. Apenas sinto o alívio da escolha. E fecho a porta atrás de mim com um sorriso firme. Porque estou seguro da minha opção.
In O Desafio, Richard Towers, 2012 (pags. 297-298)

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