Aqui fica um excerto do livro-xadrez "O Desafio", que é lido nas minhas sessões pelos alunos e que acompanho na guitarra:
As crianças brincam. São
espíritos felizes. Correm, saltam, gritam. Para lá do vidro, tudo parece mais
claro, mais puro, como a neve que cai numa cadência mágica, num silêncio
hipnótico. É um dia frio de Inverno, a temperatura ronda os dez graus abaixo de
zero, mas há um calor que nasce de dentro e inspira. Sei agora que nunca
voltarei a ser o mesmo. Sei que nunca voltarei a olhar para o mundo da mesma
forma. Há toda uma verdade escondida para lá do que é óbvio, para lá do
espectáculo que a vida e o mundo nos oferecem. Sei, porque o descobri. Descobri
que vivemos uma ilusão e que, ao virar da esquina, a sorte ou o azar espreitam
para nos derrubar. Não podemos escapar, nem desistir. O nosso destino é ir até
ao fim. Olho para lá do vidro e compreendo o significado de uma vida em busca
de felicidade. A felicidade está ali, nas crianças que saltam, e correm, e
gritam. A felicidade está nessa contemplação, não no tabuleiro que enfeitiça. O
objectivo é a vida, não o jogo. Por isso o abandono, por isso viro costas,
mesmo sabendo que jogando, poderia tornar-me um deus. O abismo e a luz coabitam
no mesmo espaço. Cabe-nos a nós escolher por onde queremos caminhar. Caminho
para a saída, para a luz. Abro a porta, miro o espaço uma última vez, numa
despedida do passado, no fechar de um capítulo. Todos temos uma segunda
oportunidade. Eu sou a segunda oportunidade. Desço as escadas em caracol. Não sinto
a náusea do trajecto, nem o agreste corrimão que me arde sob as mãos. Apenas
sinto o alívio da escolha. E fecho a porta atrás de mim com um sorriso firme.
Porque estou seguro da minha opção.
In O Desafio, Richard Towers, 2012 (pags.
297-298)
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